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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Crítica de Narciso Telles sobre Ser TÃO Ser - Festicamp

O político e o poético em Ser Tão Ser – Narrativas da outra margem
Por Narciso Telles




O espetáculo Ser Tão Ser – Narrativas da outra margem, apresentado pelo grupo Buraco d'Oráculo, segue a tradição político-popular do teatro de rua brasileiro. Em nosso país, a produção teatral de rua carrega historicamente a marca de um modo de fazer teatral no qual as questões sociais e políticas são colocadas e discutidas com o público, restaurando ao teatro sua relação com a cidade.


Nesta esteira as experiências realizadas nos anos 60 pelos CPCs, pelo Teatro de Cultura Popular de Pernambuco, que ancoradas no pensamento do teatrólogo alemão Bertolt Brecht, antecipam as práticas teatrais mais recentes de teatro de rua no Brasil no qual a presença de um teatro político, se faz preponderante.

O Buraco d'Oráculo encena o drama dos inúmeros migrantes brasileiros que percorrem este país a procura de melhores condições de vida. Nas grandes cidades, estes são vítimas de um sistema social violento, coercitivo e excludente, colocando-os a margem na teia social capitalista. Passam pela cena de Ser Tão Ser personagens que lutam por uma vida melhor dentro de seu contexto social. Desta forma, o espetáculo nos é apresentado como um grito contra a opressão, a violência e uma denúncia sobre a situação existente, especialmente [não exclusivamente] na cidade de São Paulo.


Tendo a roda como organização espacial, promovendo como afirma Denis Guenoun, uma outra relação entre os espectadores, pois estes podem também olharem-se uns aos outros e estabelecerem uma comunidade frente ao espetáculo, os atores promovem esta integração. No primeiro momento pela conversa ao pé do ouvido com cafezinho feito e servido na hora, no qual o drama dos personagens é narrado para a platéia e o tema da migração, tão cara ao teatro latinoamericano, nos é apresentado. Nas vozes do pai que vai a procura da mulher e filho ou na mulher que segue sua sina de acompanhar o marido, vamos de onde se nasce até onde se morre. A própria encenação segue este percurso quando o público é convidado se deslocar na praça para assistir a segunda parte do espetáculo.


Nesta, os personagens-migrantes não aparecem com a força de antes, agora estão diluídos, um misto de ator-personagem de linha brechtiana. O trabalho dos atores vão trafegando entre a construção de um personagem- tipo e a própria presença do ator e sua posição sobre o tema em questão. A encenação neste momento ganha um tom de denúncia da situação vivida pelos personagens e de suas lutas comunitárias, do despejo e da nova moradia, no apertado apartamento do conjunto habitacional. Até o público recebe o documento que instrução do despejo. Seremos também vitimas deste sistema? 


Como manda a tradição, o Ser Tão Se utiliza os elementos presentes no teatro de rua: músicas conhecidas do público, coro, a chita/algodão cru e a crítica social. Ingredientes que [de]marcam a poética do espetáculo.


Ao fim da função os atores dizem: 'o povo não sabe a força que tem'.


É justamente esta frase que para mim, pesquisador e fazedor de teatro de rua, levanta questões em torno da função social do artista. O tom de denúncia que o espetáculo tem, me parece crer na perspectiva transformadora do ato teatral, apenas por seu viés político, ou seja, o espectador ganha consciência desta situação e age contra ou a favor do estabelecido. Penso que o teatro deve ir além, deve compreender o homem como sujeito sensível, histórico e crítico e, partindo desta premissa construir um modo de fazer teatral proponha, por sua poética, a instauração de outra possibilidade ética. A percepção sobre o mundo também ser ocorre por meio dos sentidos, outros modos de apreensão da realidade, e nisto o teatro de rua brasileiro precisa também colocar questão.


Se pensarmos que o artista de teatro é um perdedor neste sistema regido pelo capital, podemos modificar nosso posicionamento, em vez de querer ocupar espaços de poder ocuparemos [ e aqui falo no sentido militante] as margens, as brechas para teatralmente partilharmos o que desejamos com o público. Suas [e nossas] narrativas. Seus [e nossos] modos de criação artística. Compreender a perda como possibilidade de salvação [ou de liberdade para o ato poético], pois como diz Amir Haddad: 'só o teatro salva'... Será?


Narciso Telles
Lembrando esta música: nós fazemos teatro, neste país colorido, descamisado e subnutrido...


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